Blog Entrevista Um dos Coordenadores do Projeto NanosatC-BR

Olá leitor!

Dando uma vez mais sequencia a série de entrevista com personalidades do Programa Espacial Brasileiro (PEB) cumpro agora uma promessa feita aos nossos leitores semanas atrás, trazendo para vocês uma entrevista com um dos mais competentes profissionais das atividades espaciais brasileiras e que bem recentemente fez parte de uma equipe que apresentou resultados concretos.

Refiro-me ao Dr. Otávio Santos Cupertino Durão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e um dos coordenadores ao lado do Dr. Nelson Schuch (Coordenador-Geral e pesquisador do Centro Regional Sul do INPE) do Projeto NanosatC-BR, projeto este que no último dia 19/06 colocou com sucesso no espaço o “Primeiro Cubesat Brasileiro”, ou seja, o NanosatC-Br1.

Para se ter uma ideia melhor sobre o feito da equipe desses pesquisadores brasileiros, o Brasil não colocava com êxito um satélite no espaço desde 19 de setembro de 2007, quando então foi lançado da China o Satélite CBERS-2B, satélite este que não se encontra mais em estado operacional.

Nesta entrevista o Dr. Durão no faz um relato sobre a sua carreira, sobre o inicio do Projeto NanosatC-Br, descreve também o momento em que soube do sucesso da missão quando se encontrava na Base Russa, fala também sobre o novo projeto do NanosatC-Br2, perspectivas futuras, entre outros assuntos. Vale a pena dar uma conferida.

Aproveito para agradecer ao INPE e ao Dr. Otávio Durão pela atenção dispensada ao Blog BRAZILIAN SPACE, e especialmente pelas palavras de reconhecimento e de apoio ao nosso trabalho na ultima pergunta da entrevista. São palavras como as suas que nos estimulam a continuar (apesar das dificuldades) tentando esclarecer melhor para ‘Sociedade Brasileira’ as atividades espaciais realizados pelos profissionais sérios e comprometidos como o senhor e os integrantes da sua equipe. Sucesso sempre.

Duda Falcão

Dr. Otávio Durão
(Pesquisador do INPE)
BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão, para aqueles leitores que não o conhecem e ao seu trabalho, nos fale sobre o senhor, sua idade, formação, onde nasceu e desde quando está atuando como pesquisador no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)?

DR. OTÁVIO SANTOS CUPERTINO DURÃO: Tenho 65 anos, engenheiro civil de graduação pela PUC do Rio, em 1974, com Mestrado de Engenharia, título duplo, em Engª Operacional e Industrial, pela Universidade Estadual da Pennsylvania, USA, em 1980 e Ph.D. pela mesma universidade em 1986 em Engª Industrial com ênfase em Automação. Sou natural do Rio de Janeiro e da conclusão do doutorado nos EUA em 1986 vim direto para o INPE.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão é sabido que o senhor é um dos coordenadores do Projeto NanosatC-BR, projeto esse fruto de uma parceria entre o CRS/INPE e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e que colocou recentemente com êxito o primeiro cubesat brasileiro no espaço. Como surgiu à ideia de desenvolver esse cubesat (nanosatélite)?

DR. OTÁVIO DURÃO: Na realidade a ideia surgiu antes até do surgimento dos cubesats, por incrível que possa parecer. Em Maio de 1999, quando os cubesats eram embrionários na Univ. de Stanford, o INPE promoveu um workshop sobre microgravidade para possíveis experimentos brasileiros na Estação Espacial Internacional – ISS, aos quais o Brasil tinha direito como desenvolvedor de uma das partes do projeto (posteriormente não concluído). Neste workshop, do qual fui um dos organizadores, foram apresentados 19 experimentos, um deles por Nelson Schuch (atual gerente geral do programa NanosatC-Br), Nalin Trivedi (um dos investigadores principais do NanosatC-Br1) e Valery Korepanov, ucraniano. Este experimento propunha um satélite de menos de 10 kg. controlado pela estação de controle da ISS para medir campos magnéticos e elétricos na superfície da ISS com menores possibilidades de interferência em experimentos externos. Cinco anos depois, já tendo surgido o padrão cubesat, o Dr. Nelson procurou-me para orientar alunos da Universidade Federal de Santa Maria em bolsas de iniciação científica do CNPq. Uma destas bolsas foi para o aluno Silvano Polchowsy, hoje engenheiro da Petrobrás, a aí começou o NanosatC-Br1.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão quais foram os objetivos para o desenvolvimento desse cubesat brasileiro?

DR. OTÁVIO DURÃO: O meu objetivo principal é disponibilizar para a comunidade técnico-científica nacional um meio, viável técnica e financeiramente, para a realização de seus experimentos no espaço.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão, quantos pesquisadores estiveram envolvidos com esse projeto do NanosatC-Br1?

DR. OTÁVIO DURÃO: É difícil dizer. Foram muitos, desde a época de orientação de bolsas de alunos de iniciação científica da UFSM, com vários orientando estes alunos em diferentes subsistemas e aspectos do projeto, até os que participaram na integração e testes e na preparação e planejamento da operação e captação das primeiras órbitas por nossas estações. Em especial cito os pesquisadores que participaram do desenvolvimento das três cargas úteis do NanosatC-Br1, pesquisadores e engenheiros do próprio INPE, UFSM e UFRGS. Diria que ao menos 20 pesquisadores tiveram algum envolvimento com o projeto em alguma de suas etapas.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão além do CRS/INPE e da UFSM houve a participação de alguma outra instituição no desenvolvimento desse cubesat?

DR. OTÁVIO DURÃO: Sim, a AEB financiou a conclusão de sua carga útil, o software de solo, feito pela empresa EMSISTI, e o lançamento, além de estágios e a da participação em congressos no país e no exterior para alguns alunos e outros participantes no projeto. O ITA opera o NanoatC-Br1 com uma estação em seu campus e a UFRGS desenvolveu uma das cargas úteis.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão, qual é as dimensões deste cubesat e quais são as suas cargas úteis?

DR. OTÁVIO DURÃO: 10x10x11,33 cm. que é o padrão cubesat. Suas cargas úteis são um magnetômetro para medidas magnéticas do campo magnético da Terra, um circuito FPGA com software para proteção à radiação e um circuito para ligar/desligar cargas úteis, também desenvolvido, por projeto, com proteção à radiação.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão, o senhor pode detalhar para nossos leitores como a participação da “Comunidade Brasileira de Radiomadores” tem sido importante para a missão do NanosatC-Br-1?

DR OTÁVIO DURÃO:  Esta participação tem sido simplesmente fantástica e nós somos muito gratos a ela. Desde o momento do lançamento eles têm rastreado o NanosatC-Br1, aumentando em muito a nossa quantidade de dados recebidos, o que é importantíssimo para a análise do comportamento das cargas úteis. Além disto têm nos dado várias contribuições e sugestões de melhoria neste rastreio e na operação do cubesat que têm sido de muita valia para nós não só neste projeto mas como para os que estamos trabalhando, como o NanosatC-Br2. Demonstram altíssimo conhecimento técnico do hardware e software utilizados e da dinâmica orbital envolvida, o que nos dá muita segurança. Considero-os parte da equipe.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão é sabido que o senhor foi um dos integrantes da Comissão Brasileira que acompanhou o lançamento do NanosatC-Br1 da Base na Rússia. O senhor poderia nos descrever a emoção de vocês após terem confirmado que tudo estava bem com o cubesat? O senhor tomou muita vodka?

DR. OTÁVIO DURÃO: Acho que não conseguiria! Mas ver que tudo correu bem, desde o lançamento até a recepção do sinal nas primeiras órbitas por várias estações no Brasil e ao redor  do mundo, acompanhando o rastro deixado no solo por estes sinais, com uma equipe afinada no Brasil (incluindo vários radio amadores em contato conosco) e na base de lançamento, em um ambiente de euforia com outros representantes de outros 13 países, e tendo que controlar esta emoção para poder manter a comunicação e o raciocínio, foi extremamente gratificante e recompensador (na categoria  que o Master Card não paga!!). Vodka mesmo só tomei uma, muito boa por sinal, às 3:30 hrs. da manhã local, no brinde oficial de sucesso do lançamento. Mas eu tive que parar por ali pois estava esperando o contato do NanosatC-Br1 com as estações brasileiras (já tinha recebido contato na Europa) que só ocorreria 3 horas depois. E uma hora depois haveria o debriefing do resultado do lançamento onde eu, orgulhosamente, pude anunciar que o contato do NanosatC-Br1 com várias estações no Brasil já havia sido feito. O que foi saudado com palmas.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão é sabido que a equipe do projeto já trabalha no desenvolvimento do NanosatC-Br2. O que o senhor pode nos dizer desse novo nanosatélite e quando seria a previsão (otimista) para o seu lançamento?

DR. OTÁVIO DURÃO: Já fizemos uma reserva para o seu lançamento no útltimo quadrimestre de 2015 com um lançador Falcon-9, dos EUA. Deste novo cubesat, o NanosatC-Br2, agora um 2U (10x10x22,66cm), o dobro de volume portanto do que o NanosatC-Br1, já temos a plataforma que foi adquirida da mesma empresa que a do NanosatC-Br1, a holandesa ISIS, com quem temos trabalhado de uma forma muito cooperativa. As cargas úteis serão uma sonda de Langmuir, para colher dados da ionosfera, e o primeiro subsistema para determinação de atitude desenvolvido no Brasil, em cooperação com a UFMG e a UFABC. Esta carga útil já iniciará nas próximas semanas a sua fabricação para os primeiros testes no LIT. A sonda de Langmuir será uma miniaturização de equipamento similar hoje utilizado em foguetes de sondagens com eletrônica em padrão cubesat. Ainda teremos provavelmente dois ou três experimentos para testes de circuitos integrado em ambiente espacial como no NanosatC-Br1. Estamos aguardando agora que a AEB, a exemplo do que fez no NanosatC-Br1, nos conceda o orçamento para a finalização destas cargas úteis e para que contratemos o lançamento deste cubesat. O orçamento já foi apresentado à AEB mas, por motivos que desconhecemos, ainda não nos foi autorizado. Esperamos que a performance do NanosatC-Br1 estimule a AEB a conceder o orçamento necessário para finalizar, lançar e operar o NanosatC-Br2, que expande em muito a aplicação dos cubesats no Brasil, inserindo outros importantes atores nesta atividade, com a UFMG e a UFABC.

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão com o desenvolvimento da tecnologia de nanossatélites no INPE na qual sua equipe é a pioneira, existe a pretensão de se explorar esse conhecimento no desenvolvimento de projetos mais significativos, como por exemplo, uma missão em Órbita Lunar ou até mesmo de espaço profundo?

DR. OTÁVIO DURÃO: Isto seria um sonho (como era o NanosatC-Br1 há 9 anos atrás!). O Jet Propulsion Lab – JPL, responsável pelas missões interplanetárias da NASA, já promoveu dois workshops, em 2012 e 2013 sobre o uso de cubesats neste tipo de missão. A conclusão é que a tecnologia disponível está muito próxima para isto. O JPL, como todo mundo, tem interesse nesta possibilidade em virtude da dificuldade que tem tido nestes últimos anos em manter o seu orçamento, e os cubesats podem ser uma solução. No Brasil temos contato com engenheiros que têm contatos na Agência Espaciai Européia (ESA) e alemã (DLR) que estão interessadas nesta aplicação. Quem sabe?!

BRAZILIAN SPACE: Dr. Durão, como o senhor avaliaria o estágio de desenvolvimento atual do Programa Espacial Brasileiro?

DR. OTÁVIO DURÃO: Parece-me que o estágio atual do programa espacial brasileiro é o de conclusão (falo mais com respeito aos satélites aqui). De conclusão do CBERS-4 e seu lançamento e do Amazônia-1. O primeiro premido pelo insucesso no lançamento do CBERS-3 e o segundo pela extensão excessiva do seu cronograma até aqui. Ou seja, são dois projetos para os quais quase todos os recursos estão voltados e cujos desenvolvimentos são premidos  pelo que não foi feito ou alcançado no passado.  E não por uma agenda positiva, digamos assim. Estamos correndo atrás do prejuízo. Do ponto de vista científico ou do desenvolvimento esta não é uma boa agenda. Esta agenda positiva parece estar sendo preenchida por projetos como o satélite geoestacionário de comunicações, a ACS e o Cyclone-4. Mas são projetos que surgiram pontualmente, sem coordenação entre eles, seus orçamentos, recursos e cronogramas. Sem uma supervisão abrangente. Junte-se a isto uma incerteza grande com relação aos lançadores nacionais desenvolvidos pelo IAE/DCTA e tem-se uma insegurança e incerteza muito grande com relação ao futuro do programa espacial brasileiro. Ou seja, o problema, a meu ver, é o mesmo há pelo menos 20 anos! Falta de coordenação, planejamento e compromisso.

BRAZILIAN SPACE: Finalizando Dr. Durão, o senhor teria algo a mais a dizer para os nossos leitores?

DR. OTÁVIO DURÃO: Sim. Que eles continuem prestigiando o seu blog. Sou testemunha de quanto os alunos do INPE o prezam, o acompanham e o admiram. Juntando a isto, que também testemunho, a admiração a seu blog por setores importantes da defesa da tecnologia espacial nacional e o seu desenvolvimento, espero que seus leitores continuem o estimulando na defesa dos interesses nacionais.

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