Vigia Espacial

Olá leitor!

Segue abaixo uma interessante matéria publicada na edição de dezembro de 2013 da “Revista Pesquisa FAPESP” destacando que Imagens Infravermelhas de Satélite podem ser úteis para prever erupções vulcânicas.

Duda Falcão

CIÊNCIA

Vigia Espacial

Imagens infravermelhas de satélite podem ser úteis para prever erupções vulcânicas

IGOR ZOLNERKEVIC
Edição 214 - Dezembro de 2013

© UNITED STATES GEOLOGICAL SURVEY (USGS)
O Kilauea, no Havaí, está em erupção quase contínua há anos.

Das centenas de vulcões ativos na Terra (o número exato é alvo de debates entre os especialistas), poucos são monitorados por instrumentos fixos e pesquisadores no campo, que se arriscam a morrer asfixiados, soterrados ou incinerados. Apesar de vários satélites vasculharem constantemente a superfície terrestre, não há um sistema global capaz de alertar populações vizinhas a vulcões de que uma erupção está prestes a ocorrer. Esse objetivo ainda está longe de ser alcançado, mas alternativas têm sido propostas para o estudo de atividades vulcânicas em escala planetária. Nesse contexto, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de Cambridge, Inglaterra, desenvolveram um método para analisar imagens de vulcões obtidas por diferentes sensores de radiação infravermelha a bordo de satélites e, assim, talvez antecipar em meses a ocorrência de erupções.

A equipe de cientistas aplicou, em distintos estudos, a metodologia para estudar a atividade de cinco vulcões ativos ao longo da última década em diferentes partes do planeta. Os resultados indicam que é possível implementar um sistema automático para detectar, do espaço, mudanças sutis na atividade termal dos vulcões, que funcionam com um indicador de que esses sistemas estão prestes a entrar em erupção. “A investigação dessas anomalias, a partir de algoritmos desenvolvidos em nossa pesquisa, permite a identificação de sinais que precedem fluxos de lava em determinados vulcões”, diz o inglês Samuel Murphy, que defendeu tese de doutorado sobre o tema no início deste ano na Unicamp, sob orientação de Carlos Roberto de Souza Filho, geólogo especialista em sensoriamento remoto da universidade paulista, e do vulcanólogo Clive Oppenheimer, da Universidade de Cambridge. Quanto mais quente for um objeto, mais radiação infravermelha ele emite. “É possível observar do espaço a variação da energia térmica emitida por um vulcão ao longo do tempo”, explica Souza Filho. Depois de concluir em 2007 seu mestrado em geologia na Universidade de Bristol, no Reino Unido, Murphy decidiu conhecer uma parte da família de sua mãe brasileira, em Campinas, e acabou ingressando na Unicamp. Lá ele se tornou aluno de doutorado de Souza Filho, que foi colega de Oppenheimer durante seu doutorado na Inglaterra.

Em um artigo recente, publicado em abril deste ano na Remote Sensing of Environment, a revista de maior fator de impacto da área, os geólogos e vulcanólogos ingleses e brasileiros mostraram o potencial da metodologia. Compararam a atividade do Láscar, no norte do Chile, entre 2000 e 2012, com a de mais três vulcões: o etíope Erta ‘Ale, com seu lago de lava mais ou menos constante; o havaiano Kilauea, que vem expelindo lava quase sem parar desde 1983; e o explosivo Kliuchevskoi, o maior vulcão da península de Kamtachka, na Rússia. As imagens térmicas usadas no trabalho foram geradas por dois sensores infravermelhos, o Aster e o Modis, ambos instalados no satélite Terra, lançado pela NASA em 1999. Sua órbita de cerca de 700 quilômetros (km) de altura passa sobre os polos Norte e Sul e faz o satélite cruzar o equador sempre na mesma hora do dia e noite.

O Aster capta radiação infravermelha de vários comprimentos de onda e gera imagens com uma resolução espacial considerada relativamente alta, de 30 a 90 metros. Embora sua resolução espacial de 1 quilômetro seja bem menor do que a do Aster, o Modis registra duas imagens de um mesmo local da Terra a cada 24 horas, enquanto o Aster, na média, faz isso apenas uma vez a cada 16 dias. A ideia dos pesquisadores foi analisar conjuntamente as imagens de ambos os satélites. As informações do Aster foram empregadas para demarcar regiões dos vulcões com temperatura anormal e as do Modis para ajudar a acompanhar a evolução dessas áreas ao longo do tempo.


Assim foi possível acompanhar a evolução do lago de lava dentro da cratera do Kliuchevskoi em duas ocasiões. Em 2007, as imagens já apontavam atividade anormal no vulcão em fevereiro, mas só em junho as erupções começaram. Os efeitos dessa erupção causaram a interrupção do tráfego aéreo em partes da Ásia e dos Estados Unidos. Sinais de uma erupção menor em 2008 também foram identificados meses antes. Os pesquisadores sugerem que os derrames de lava das erupções do Kliuchevskoi poderiam ser previstos com duas semanas de antecedência. Isso seria possível se houvesse um sistema de monitoramento automático capaz de emitir um alerta quando uma área do interior da cratera, equivalente a mais de 5 pixels do total de 500 milhões contidos nas imagens de satélite, estivesse 40ºC mais quente que o seu entorno.

Os dados do Modis serviram também para identificar sutis oscilações semanais, mensais e anuais no tamanho e intensidade das regiões de temperatura anormal dos vulcões. “Oscilações mais rápidas estão associadas à atividade superficial, como derrames de lava”, explica Murphy. “Já oscilações mais lentas se relacionam com atividade mais profunda, como o aumento de magma na câmara magmática.” Também participou desse trabalho o vulcanólogo Robert Wright, da Universidade do Havaí em Manoa, Estados Unidos, que propôs um sistema pioneiro de monitoramento global de vulcões em 2000, a partir das imagens do sensor Modis.

Em um trabalho anterior, publicado em 2011 no Journal of Volcanology and Geothermal Research, Souza Filho, Oppenheimer e Murphy analisaram imagens obtidas pelo Aster entre 2000 e 2009 de dois vulcões bem diferentes. Enquanto o monte Erebus está localizado na ilha de Ross, na Antártida, em uma região polar gelada e possui um lago de lava permanente, com atividade constante, o chileno Láscar está em um deserto escaldante e suas erupções explosivas são intermitentes. O desafio foi identificar e delimitar, nas imagens do infravermelho, porções dos vulcões somente algumas dezenas de graus mais quentes ou mais frias que seus arredores, e interpretá-las com a ajuda dos relatórios de expedições de campo aos vulcões.

Os pesquisadores conseguiram identificar um sutil aumento de temperatura dentro da cratera do Erebus, associado a uma pluma aquosa, fora do comum, muito rica em compostos voláteis, emitida pelo vulcão em janeiro de 2001. Tão interessante quanto essa medição foi a detecção do aquecimento em torno do Láscar nove meses antes de um período de erupções em outubro de 2002, provavelmente devido a um aumento na emissão de gases. Três meses antes do início de outra temporada de erupções em abril de 2006, os pesquisadores observaram um declínio gradual, seguido de um aumento de temperatura, associado à emissão de gases ou à formação de um domo de lava.

© NICK POWELL / NATIONAL SCIENCE FOUNDATION
Monte Erebus, na Antártida: maior vulcão ativo do continente.

Vulcões são pontos da Terra em que o magma — a rocha derretida que existe em alguns locais logo abaixo da crosta terrestre, com temperaturas variando entre 600ºC e 1.300ºC — consegue subir e se acumular perto da superfície em câmaras subterrâneas. Durante uma erupção, o magma pode simplesmente transbordar da cratera do vulcão ou escapar por fissuras e escorrer em derrames de lava. Pode ainda se solidificar antes de chegar à superfície, se acumulando em domos. “Domos são perigosos porque neles o magma tem compostos voláteis, principalmente água, dissolvidos e incorporados dentro de si; as altas temperaturas e concentrações desses voláteis internamente podem causar erupções extremamente violentas”, Murphy explica.

Tudo depende da composição química do magma. Quanto menos sílica no magma, mais fluida é sua lava e suas erupções tendem a ser mais suaves e contínuas, como é o caso dos vulcões do Havaí. Quanto mais rico em sílica, mais viscoso é o magma que, frequentemente, se acumula em domos até explodir. As explosões podem criar uma pluma de cinzas, vapor, gás carbônico e dióxido de enxofre, que chega a dezenas de quilômetros de altura; ou correntezas de rochas e cinzas em volta do vulcão, que se movem a até 300 metros por segundo — o chamado fluxo piroclástico.

Em todo o planeta ocorrem anualmente de 50 a 70 erupções, que podem durar de horas a meses. Correntes atmosféricas espalham as cinzas das grandes erupções por milhares de quilômetros. Essas cinzas podem se acumular, derreter e se fundir dentro das turbinas dos aviões. Até hoje nenhuma aeronave efetivamente caiu por essa razão (embora voos tenham sido afetados temporariamente), mas os prejuízos com reparos de turbinas e interdição do tráfego aéreo em vários países por alguns dias podem atingir cifras de bilhões de dólares.

O Rio Grande do Sul costuma sofrer periodicamente com as plumas de erupções dos vulcões andinos. Na manhã de 21 de abril de 1993, os gaúchos que saíram cedo de casa para a votação do plebiscito nacional sobre o sistema de governo do país se surpreenderam com uma leve garoa de cinzas. Em Porto Alegre, ruas, capôs de automóveis e telhados foram cobertos por uma camada fina de pó escuro lançado no ar por uma erupção do vulcão Láscar, no norte do Chile, a 1.800 km de distância. Mais recentemente, o espaço aéreo do estado foi interditado em função da erupção de outro vulcão chileno, o Puyehue, em 2011.

Embora quase imprevisíveis, os vulcões costumam mostrar sinais de que vão entrar em erupção, às vezes com horas, às vezes com meses de antecedência. O indício mais estudado é o aumento de tremores de terra, detectados por estações sismológicas. Outras pistas comuns são mudanças no relevo de alguns centímetros, que podem ser detectadas, por exemplo, por sistemas de radar interferométrico; e o aumento da emissão de gases e mudanças em sua composição. O grupo da Unicamp-Cambridge vem apostando numa outra linha, ou seja, acompanhar por satélite a variação da atividade termal em todo o vulcão e seus arredores. Segundo Souza Filho, a maioria dos trabalhos anteriores se concentrava em quantificar, em uma imagem de satélite, a região de temperatura máxima de um vulcão ou a temperatura média de um vulcão como um todo. Entretanto, o que permite muitas vezes distinguir um vulcão dormente de um prestes a explodir são variações de temperatura em suas porções específicas.

“Ainda há desafios para tornar essas observações por satélite uma operação de rotina”, Oppenheimer comenta por e-mail, direto da ilha de Ross, na Antártida, onde está observando o maior vulcão ativo do continente, o monte Erebus. “Mas a pesquisa de Murphy não apenas identificou tendências fascinantes nas emissões de calor dos vulcões, como também analisou os detalhes de técnicas para automatizar o processamento de volumes enormes de dados e extrair rapidamente os sinais térmicos que nos interessam.” As oscilações de temperatura podem ajudar a prever a duração e intensidade de futuras erupções. “Cada vulcão tem uma atividade muito individual”, explica a vulcanóloga brasileira Rosaly Lopes, do Laboratório de Propulsão a Jato, da NASA. “É importante entender essa individualidade porque provavelmente seu comportamento será similar no futuro.”

Murphy continua suas pesquisas em sensoriamento remoto de vulcões ativos na Unicamp, com uma bolsa de pós-doutorado da FAPESP. Ele e Souza Filho estão analisando imagens do mais novo satélite de observação da Terra da NASA, o Landsat 8. Em 2014, a Agência Espacial Europeia deve lançar dois novos satélites: Sentinels 2 e 3. Juntos, os dados desses satélites permitirão o monitoramento de vulcões com imagens de resolução espacial de até 10 metros, obtidas a cada cinco dias. No entanto, Murphy já concluiu em sua tese que mesmo os novos instrumentos não serão capazes de fornecer temperaturas confiáveis dos vulcões. Em artigo aceito no mês passado para publicação também na revista Remote Sensing of Environment, os pesquisadores propuseram um método ainda mais refinado para quantificar a energia térmica irradiada em cada ponto de um vulcão. “Aguardávamos com certa ansiedade o desfecho desse artigo em particular. É um resultado polêmico, pois pode modificar a maneira como as anomalias térmicas vêm sendo medidas do espaço pelo menos desde a década de 1970”, diz Souza Filho.

Projeto

Monitoramento global de vulcões com ênfase na América do Sul utilizando a próxima geração de sensores orbitais (nº 2013/03711-5); Modalidade Bolsa de Pós-doutorado;Coord. Samuel Murphy – Unicamp; Investimento R$ 163.082,88 (FAPESP).

Artigos científicos

MURPHY, S.W. et al. Modis and Aster synergy for characterizing thermal volcanic activity. Remote Sensing of Environment. n. 131. 15 abr. 2013.
MURPHY, S.W.; OPPENHEIMER, C.; SOUZA FILHO, C.R., Calculating radiant flux from thermally mixed pixels using a spectral library. Remote Sensing of Environment. n.132 (aceito em 21 nov. 2013).


Fonte: Revista Pesquisa FAPESP - Edição 214 – Dezembro de 2013

Comentário: Veja leitor como é útil à tecnologia espacial para humanidade, mas enfim... Aproveitando a oportunidade vale lembrar que a cientista brasileira Dra. Rosaly Lopes da NASA citada na matéria, é reconhecida internacionalmente como sendo a melhor vulcanóloga do mundo, e também pelo seu grande conhecimento sobre vulcões de outros planetas de nosso sistema solar. Tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente durante o evento de entrega da “2ª Edição da Comenda Científica Dr. Samuel Cunha Filho", ocorrida em abril de 2011 em Bezerros (PE) (veja aqui), e espero poder revê-la na '3ª Edição' deste evento, prevista para ocorrer na mesma cidade pernambucana ainda este ano.

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