Entrevista com o Engenheiro Aeroespacial René Nardi

Olá leitor!

Segue abaixo uma interessantíssima entrevista com o engenheiro mecânico aeronáutico mineiro René Nardi, "Gerente de Desenvolvimento de Novos Negócios" da empresa INOTECH, postada dia (02/02) na coluna “ASTROvia” do site do diário digital "Fanzine". O engenheiro Nardi, fala sobre o Programa Espacial Brasileiro, sobre motores-foguete líquidos e sólidos, sobre o programa dos caças da Aeronáutica, novas tecnologias aeroespaciais, tecnologias de VANT”s, OVNIS, Operação Prato e tantos outros assuntos. A entrevista é bastante longa, mas vale à pena conferir.

Duda Falcão

Entrevista

Entrevista com René Nardi
Engenheiro e Empreendedor do Ramo Aeroespacial

Por Pepe Chaves*
Para ASTROvia
02/02/11

René Nardi: 'Você compraria um Fusca 78 ou
um Corcel 86, mesmo que zerinho?'

René Nardi, 53 anos, nasceu em Juiz de Fora-MG e atualmente reside em São Jose dos Campos–SP. Possui um vasto currículo que inclui 30 anos de experiência no setor aeroespacial. René Nardi é formado em engenharia mecânica-aeronáutica pela UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais (BH), Mestre em Ciências pelo ITA-Instituto Tecnológico de Aeronáutica (SP) e Máster in Business Administration pela Hult University-ADL, de Cambridge. Trabalhou na Embraer em São José dos Campos e na Parker Aerospace (EUA). Atualmente atua como Gerente de Desenvolvimento de Novos Negócios na INOTECH (www.inotechweb.com). Para Nardi, “No setor espacial, o principal tópico está sempre voltado com o desenvolvimento da tecnologia nacional. Existem pessoas que ficam sonhando com ‘transferência de tecnologia’. Só se transfere a tecnologia que não tem mais uso, caso contrário, você tem que desenvolver. Exemplo: válvulas com qualidade espacial. Nenhuma empresa em sã consciência vai transferir a tecnologia de projeto e construção, para perder as vendas. Na maior parte das vezes, as empresas não podem nem vender, porque é caso de segurança nacional (do país que gastou dinheiro para desenvolver a tecnologia)”. Nessa entrevista que nos concedeu gentilmente por e-mail, entre tantos assuntos, ele nos fala da necessidade de inovação, para que o Brasil possa desenvolver sua tecnologia própria e assim, passar produzir materiais e equipamentos de importância básica em setores vitais da nação, mormente, produtos de valor tecnológico adquiridos do mercado exterior. Nardi também nos fala de suas convicções acerca do desenvolvimento de uma aeronave caça genuinamente nacional e do papel da Embraer no que seria este ousado projeto.

Via Fanzine – René, por favor, nos faça um breve histórico de sua carreira, até chegar ao momento atual, em que dirige a Inotech.

René Nardi – Formei em Engenharia Mecânica/Aeronáutica na UFMG, com a primeira turma desta modalidade, e já fazem 30 anos. Foi na Líder Taxi Aéreo, em Belo Horizonte, onde comecei a trabalhar na manutenção de aeronaves, mesmo antes de terminar o curso de engenharia, que aprendi a combinar a teoria da escola com a prática da oficina e entender como uma aeronave funciona. Posteriormente, fui trabalhar na Embraer, onde fiquei por mais de uma década. Tenho ótimas lembranças das oportunidades que a Embraer me proporcionou. Como por exemplo, participar do desenvolvimento do AM-X, ir para o Egito como responsável pela qualidade da fábrica do EMB-312 Tucano, ou coordenar as atividades do Programa EMB-123 na Argentina. Entre uma atividade e outra, consegui fazer o mestrado no Instituto Técnico da Aeronáutica (ITA), e o MBA no exterior. Na volta do MBA, com a Embraer em franca redução das atividades, retornei às minhas origens, fui para Belo Horizonte trabalhar no setor de manutenção de aeronaves. E fui aplicar na Chamone Indústria, a extensa experiência que já havia acumulado. Uma boa maneira de sintetizar esta fase é dizer que durante o período que fiquei por lá, o volume de vendas sempre cresceu, ano após ano. Após um breve período com a VASP, fui contratado pela Parker Hannifin, uma multinacional norte-americana do setor de automação e controle. Por dez anos fui o responsável pelas operações da divisão Aerospace, no Brasil. Foi um tempo de grandes realizações, tendo participado de todas as negociações da Parker com a Embraer e com linhas aéreas no Brasil, cujo valor ultrapassa a casa do bilhão de dólares. A partir do ano passado fiquei responsável pelas operações da Inotech, uma empresa que vai atuar preferencialmente no setor espacial. Estou posicionando a empresa para estar presente no programa espacial brasileiro, oferecendo o projeto, desenvolvimento e construção de componentes para sistema de propulsão de satélites e veículos lançadores.

VF – Como o senhor analisa, sinteticamente, o mercado aeroespacial atual, com ênfase para a produção foguetes, satélites, além dos serviços relacionados ou proporcionados por estes?

RN – Fabricar e vender satélite são hoje operações comerciais similares a tantas outras de alta tecnologia que existem em todo o mundo, e deve cada vez mais aumentar a participação da iniciativa privada no setor. Está em pleno desenvolvimento e a cada dia novas tecnologias são incorporadas, tornando os satélites melhores e menores. Quanto aos veículos lançadores, nos Estados Unidos, o país mais avançado no setor aeroespacial, o que vemos é o inicio das operações comerciais. É algo similar ao que aconteceu com a indústria aeronáutica na primeira metade do século 20. Se forem bem sucedidos, nas próximas décadas estas empresas devem se tornar parecidas com Boeing, Airbus ou Embraer. A Europa ainda está um passo atrás, ou seja, as iniciativas ainda são lastreadas com dinheiro público, mas cedo ou tarde vai seguir a trilha aberta nos EUA. A Rússia e os países da Europa Oriental, remanescentes da antiga União Soviética, estão parados no tempo, reutilizando e reciclando a boa e velha tecnologia que desenvolveram nas décadas de 50 e 60, e atualmente estão vendendo para quem puder pagar. A China é um mistério, mas com a quantidade inesgotável de dinheiro que parece existir por lá, em algum momento eles devem assumir posição de destaque no setor espacial. Existem vários outros países tentando participar do seleto clube espacial, alguns com sucesso, Japão, Índia, Irã, outros nem tanto como a Coréia. O Brasil está entre aqueles que não conseguem ir em frente.

VF – Considerando que a tecnologia dos combustíveis líquidos foi conquistada passo a passo por alemães, norte-americanos e russos, podemos afirmar que tal tecnologia não seria "transferível", mas sim, "aprendida"? Como o Brasil está inserido neste cenário, se comparado aos países que já atingiram tal autonomia tecnológica?

RN – Sobre a maneira de se iniciar um programa espacial, gosto sempre de lembrar os conselhos de Qian Xuesen, o exilado americano que, ao voltar para a China foi nomeado líder do programa espacial. Ele dizia a seus discípulos, isto na década de 1950, que as soluções para os problemas técnicos de fabricação de foguetes já haviam sido encontradas e publicadas, bastando procurar nos livros técnicos americanos e europeus. Eles iniciaram programa espacial/militar com a construção de uma cópia rude do míssil soviético R-2 (por sua vez uma cópia da V-2 alemã) e nos quinze anos seguintes construíram uma bem sucedida estrutura industrial capaz de produzir mísseis de longo alcance e até transformá-los em lançadores de satélites. No Brasil estamos esperando por alguma alma bondosa que nos vai vender a tecnologia e como que por mágica, nossos foguetes a propelentes líquidos vão começar a voar. Como isto é improvável que aconteça, a opção que nos resta é desenvolver a própria tecnologia. Lembro de um esforço chamado “Missão Espacial Completa Brasileira” (MECB), que previa a construção do veículo lançador e do satélite. Creio que este seria um bom caminho, contanto que tudo fosse projetado, desenvolvido e construído no Brasil.

VF – Ainda com relação ao uso de propelentes líquidos, existe um limite máximo esperado para o uso de tais combustíveis e, conseqüentemente, dos motores de reação química?

RN – Creio que os cinco gigantescos motores F-1 do foguete lunar Saturno V, projetados na década de 60, estabeleceram os limites de tamanho para motores químicos. Independente do tamanho, alguns motores que têm impulso específico da ordem de 450 segundos definem os limites de eficiência. Pequenas melhorias são possíveis aqui e ali, mas os limites práticos do motor químico já foram atingidos, e já fazem pelo menos duas décadas que isto aconteceu. Mas temos que concordar que atualmente os foguetes químicos são a única forma de alcançarmos a órbita da Terra. Eles são bons para irmos até a Lua e, talvez, para enviar robôs aos planetas internos. Além destas distancias, os foguetes químicos perdem o seu encanto. Como os motores químicos já alcançaram o limite da praticidade, economia, eficiência, é razoável especular que será só uma questão de tempo até eles serem substituídos por alguma coisa que ainda não sabemos muito bem o que será; talvez, motores elétricos, atômicos, plasma, ou a aplicação de algum conceito do tipo buraco de minhoca, dobra espacial etc. Mas não é nada que no curto e médio prazo venha a incomodar a posição dominante do motor químico.

VF – Como o senhor se posiciona quanto às vantagens e desvantagens do uso de combustíveis líquidos e sólidos, considerando a relação da respectiva queima dos mesmos, bem como à respectiva eficiência?

RN – Comparando puramente a eficiência ou o desempenho, o motor a propelentes líquidos é melhor. Mas precisamos pensar que o desempenho pode não ser o único requisito a ser atingido. Existem situações em que devemos pensar nos custos, na possibilidade de estocagem de longo prazo ou na facilidade de manuseio. Nestes quesitos o propelente sólido ganha de longe. Portanto, não existe uma resposta única e que resolva todas as alternativas. Meu ponto de vista é que para lançamento em órbitas altas e/ou grandes massas, o motor a propelentes líquidos faz sentido. Para órbitas mais baixas, pequenos satélites e para emprego militar, o propelente sólido vem sendo cada vez mais utilizado. Tenho especial apreciação pela opção brasileira, o VLS (Veículo Lançador de Satélite) com combustível sólido, bom, barato e, quase, disponível. É só fazer alguns ajustes e teremos no Brasil um lançador sem competidores. Uma pena que o Governo atrasou tanto o programa.

VF - O primeiro veículo tripulado chinês que levou os taikonautas usou propelentes à base de tetraóxido de nitrogênio e hidrazina, diferente da opção norte-americana (hidrogênio líquido nos motores principais). Como o senhor vê a opção chinesa para uso de combustíveis diferenciados dos EUA, como nesse caso?

RN – Não existe combinação mais eficiente para uso em motores químicos do que o par oxigênio líquido (LOx) e hidrogênio liquido (LH2). No entanto, de um modo geral, gerenciar a reação entre hidrogênio e oxigênio é um desafio tecnológico gigantesco, que beira o pesadelo. É tão complicado, que a incapacidade dos soviéticos de dominar esta tecnologia pode ter significado a perda da corrida espacial até a Lua. Mas assim como os russos, os chineses precisam de combinações de propelentes mais energéticos do que querosene e oxigênio líquido para seus veículos lançadores, e como eles não dominam totalmente os propelentes criogênicos, o jeito é utilizar os terrivelmente poluentes UDMH/N2O4. Aliás, esta combinação será a mesma a ser utilizada pelos ucranianos nos eventuais lançamentos a partir da base de Alcântara.

VF – No que diz respeito às tecnologias que estão para sair do papel, já estão previstas variações ou inovações do sistema de propulsão "jato convencional", colocado em prática faz mais de 50 anos e utilizado até a atualidade?

RN – Como sugere o título do livro, não há nada de novo no front ocidental. Os motores modernos são maravilhas tecnológicas, desenvolvidas ao longo de várias décadas, através da introdução consistente de pequenas melhorias. Algumas voltadas para aumentar a eficiência térmica (aproveitamento da energia do combustível), outras voltadas para a melhoria da eficiência propulsiva, através do aumento da taxa de desvio (bypass ratio). No momento, o mais badalado dos aperfeiçoamentos é a utilização de uma caixa de engrenagens entre o motor e o fan. Isto deve dobrar a taxa de desvio (em comparação com os motores existentes), resultando na redução do consumo de combustíveis na faixa de 10% a 15%. Mas não é uma tecnologia realmente nova. Na década de 70 os franceses produziram um pequeno motor a jato que utilizava redutora. Não foi um sucesso comercial, mas funcionava corretamente. Existe ainda mais uma rodada de melhorias, que pode significar o retorno ao uso dos motores turbohélice. Alterações nos formatos das pás das hélices vão permitir que os aviões equipados com estes motores atinjam velocidades próximas a 800 km/h, e redução no consumo da ordem de 15% a 20%. A partir daí, creio que teremos atingido o limite de uso dos motores a reação. O que vem a seguir??? Minha bola de cristal diz que propulsão elétrica será a solução. Imagine um motor de avião moderno. O que temos nesta configuração é uma turbina a gás conectada a uma ventoinha (fan). Agora imagine em futuro próximo que a turbina a gás seja substituída por um motor elétrico. Esta é a nova fronteira, motor elétrico girando uma ventoinha ou uma hélice tradicional. O Brasil bem que poderia aproveitar esta janela de oportunidade que se abre e investir na propulsão elétrica.

VF – O senhor pode nos explicar um pouco sobre os inovadores Ramjets, e também sobre uma variação dos mesmos, chamada Scramjet?

RN – Estes motores existem há um bom tempo, há décadas. Aproveitam a alta velocidade de vôo para comprimir o ar, quando então é injetado o combustível e efetuada a queima. Como era de se esperar, eles não funcionam parados e assim sendo, precisam de velocidade inicial para funcionar, geralmente fornecida por um motor foguete. Estão novamente na moda devido às pesquisas com naves supersônicas e hipersônicas para voar dentro da atmosfera (que utilizam o oxigênio existente na atmosfera). Existem planos, antigos, de uso de ramjets para impulsionar um veiculo orbital de decolagem na horizontal, durante a sua ascensão pela atmosfera. Nunca passou da fase de planejamento. A propósito, Scramjet significa “supersonic combustion ramjet”, ou seja, são dois motores muito parecidos, com a diferença ficando na velocidade do ar onde a combustão ocorre.

VF – Como o senhor imagina que Werner von Braun veria essa nossa tecnologia espacial de tempos atuais, mais de 50 anos após a sua época?

RN – Creio que ficaria maravilhado com os avanços tecnológicos e os maravilhosos serviços prestados pelos satélites. Por outro lado, ficaria orgulhoso e frustrado, vendo que os veículos lançadores não avançaram tanto assim. Muitas das idéias em que ele trabalhou nas décadas de 1940 e 50 ainda estão em uso hoje em dia. Isso inclui os motores dos foguetes e até o próprio Space Shuttle (Ônibus Espacial). Um exemplo: o motor J-2, projetado e construído na década de 1960 está sendo trazido de volta à vida para uso no próximo lançador americano. É a famosa situação denominada “mais do mesmo”, ou seja, estamos repetindo o que já foi feito anteriormente.

VF – Sabemos que o senhor não é profeta, mas, do ponto em que nos encontramos, científica e tecnicamente, quando devemos esperar pelas viagens interplanetárias tripuladas, tanto por parte das grandes agências espaciais, até a popularização das mesmas, junto às agências de turismo?

RN – Vamos por partes. Viagens interplanetárias tripuladas estão no momento fora de cogitação, pelo menos, para os próximos 50 anos. Mercúrio e Vênus são tão inóspitos que não temos nada para fazer lá. Sondas e robôs farão um trabalho bem melhor que os humanos. Marte é um caso à parte, e seria interessante dar uma chegada até lá para olhar de perto e resolver o impasse se há ou não há vida em Marte. Estaria no limite de nossa capacidade, mas dá para ir. O restante fica longe demais para nossos foguetes químicos. Fora do Sistema Solar, nem podemos pensar ainda. Portanto algum tipo de tecnologia disruptiva (algo que quebre com os conceitos existentes) tem que ser identificada para podermos fazer viagens interplanetárias tripuladas. A popularização de vôos suborbitais está muito próxima. Mais alguns poucos anos e vamos ter gente dando um pulinho até o final da atmosfera e apreciando a visão da Terra bem do alto, nem que seja por alguns longos segundos. É um bom inicio, mas é pouco. Ainda vai levar mais algumas décadas para termos turistas entrando em órbita de uma maneira consistente.

VF – Quais seriam as inovações mais recentes e promissoras a se destacar no setor aeroespacial?

RN – Aqui segue uma listinha de coisas que considero importantes e promissoras para o setor aeroespacial, nos próximos 20 anos. Não vou falar especificamente sobre cada uma, senão vai ficar muito longa a resposta, mas peço atenção especial para o primeiro item, a propulsão elétrica. Não só porque vai revolucionar a maneira com que voamos, como também é uma ótima oportunidade para iniciarmos as pesquisas no Brasil. A tecnologia está na infância e vai ser um grande sucesso comercial.

- Propulsão elétrica: Motores elétricos girando hélices carenadas; utilizando células de combustível, baterias, capacitores e magnetos supercondutores;
- Helicópteros de alta velocidade (400 km/h);
- Vôo supersônico comercial (Mach 1,2 a 1,5);
- Vôo hipersônico para aplicação militar (Mach 5);
- Veículo de Combate Não Tripulado (UCAV);
- Veículos lançadores produzidos por empresas privadas;
- Novos materiais: CNT – Carbon nano tubes;
- Sistema de Controle de Tráfego Aéreo – NextGen.

VF - O Veículo de Combate Não Tripulado (UCAV, do inglês), bem como o Veículo Aéreo Não Tripulado (VANT ou 'drone') com funções não bélicas têm sido cada vez mais difundidos. Os primeiros chegaram a ser usados recentemente por militares dos EUA na Guerra da Afeganistão; os segundos já estão em uso, por militares brasileiros. Inclusive, em sua campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff chegou a dizer que manterá VANTs sobre as grandes cidades brasileiras, como medida de segurança pública. Que futuro espera por essas aeronaves não tripuladas dentro e fora do nosso país?

RN – Os primeiros trabalhos com VANTs datam da década de 1930. Na década de 1970, no Vietnam, eles já foram utilizados em larga escala - na internet há mais detalhes sobre o "BQM-34 Firebee". Em meados da década de 1980, a FAB construiu o primeiro VANT nacional, chamado Acauã. Infelizmente, o projeto foi engavetado por falta de dinheiro. Com as guerras na Europa Oriental (Kosovo) e na Ásia (Afeganistão), os VANTs ganharam vida nova e todo o mundo começou a prestar atenção neles. Portanto, novidade não é não. O que parece ser uma novidade hoje, é na verdade fruto de anos e anos de pesquisa e desenvolvimento, com a maior parte do dinheiro fornecido pelos governos dos países interessados em ter novos produtos de exportação. Aqui no Brasil temos algumas empresas nacionais, como a ACS de São Jose dos Campos, produzindo VANTs para o Exército, provando que os VANTs para segurança pública poderiam ser fabricados no Brasil. Basta o governo brasileiro comprar produto nacional, em vez de ficar dando emprego para estrangeiro. Gostaria de acrescentar mais um tópico para discussão. Um VANT pode ser dividido, grosso modo, em configuração (o formato externo), o sistema de navegação e os sensores. A tecnologia do projeto e construção da forma externa é vastamente conhecida em todo o mundo. Desenvolver o software do sistema de navegação já é privilegio de poucos, enquanto a construção dos sensores fica ainda mais restrita nas mãos de meia dúzia de empresas. No Brasil temos competência para as duas primeiras etapas, mas não fabricamos os sensores (plataforma inercial, computadores, processadores de imagens térmicas, TV, etc). Precisamos urgente de pesquisas nestas áreas de conhecimento.

René: Devemos monitorar quanto dinheiro o ministro vai conseguir
alocar para os programas de ciência e tecnologia. Se for uma quantidade
apreciável vamos ver nossos programas decolarem

VF – Muito se tem falado sobre o uso de tecnologias secretas, empregadas em propulsão e navegação de aeronaves compostas de diversos sistemas fora do convencional. Inclusive, especula-se que muitos dessas experiências avistadas em distintas partes do globo seriam aeronaves extraterrestres, enquanto se tratam, na verdade, de experimentos terrestres não tripulados (teleguiados). O senhor compactua com esse pensamento? E ainda, seria realmente possível que aeronaves (tripuladas ou não) de natureza terrestre voassem clandestinamente sem serem detectadas por radares em espaços aéreos nacionais?

RN – Gostaria de responder utilizando um exemplo. A “era moderna” dos objetos aéreos não identificados foi lançada no final da década de 40, quando Kenneth Arnold reportou nove deles voando em formação nos EUA. No entanto, ao procurarmos mais detalhes podemos encontrar uma gravura da época mostrando o que ele diz que presenciou. Procure na internet que vai achar. Ao ver tal gravura você poderá reconhecer imediatamente que poderia ser um grupo de asas voadoras, similares aos aviões alemães Horten GO-229. A conclusão que podemos chegar é que existem situações onde aviões de configuração não convencional foram avistados e posteriormente classificados como OVNIs, e até como naves extraterrestres. A mesma situação deve ocorrer com a invisibilidade ao radar de controle do espaço aéreo. Não é mais novidade para ninguém que aeronaves com capacidade furtiva estão em operação desde os anos de 1980. Mas existe um grupo de avistamentos para o qual não temos uma solução tão simples. Quando alguém reporta uma nave em forma de disco pousando no quintal, isto representa algo novo. Com tripulante? Mais complicado ainda. A boa prática científica recomenda investigação quando um fenômeno, para o qual não existe explicação racional, começa a ser reportado. Veja o caso da Operação Prato, levada a efeito pela FAB. Ela fez tudo certo, exceto que interrompeu o jogo quando estava para ganhar a partida. Que grande oportunidade perdida de esclarecer os acontecimentos.

VF – Só lembrando que a chamada Operação Prato, realizada pelo COMAR de Belém do Pará, em 1977, nos arredores da cidade de Colares naquele estado, se deu porque a população local, alarmada, reportou às autoridades estaduais sobre supostos ataques sofridos por parte de objetos voadores não identificados (OVNIs). Segundo as testemunhas, tais objetos lançavam sobre as pessoas um feixe de luz verde, semelhante ao laser, que marcava a pele. No entanto, sabemos que naquela época o laser de tal cor não existia ou, pelo menos, não era ainda conhecido popularmente. Cogita-se que, de fato, OVNIs teriam sido constatados naquela latitude incomodando as populações no final dos anos de 1970, no entanto, poderiam se tratar de equipamentos que estariam sendo testados por agências nacionais ou grupos paramilitares e não de fenômenos de natureza extraterrestre, como muitos alegam. Como o senhor vê essa possibilidade?

RN – Vamos tomar cuidado com as palavras que utilizamos. Com certeza o que tinha no Pará naquela época eram OVNIs – Objetos Voadores Não Identificados, no plural porque eram muitos. E por quê? Porque o troço voava e ninguém conseguiu saber o que era. Ao classificar como equipamentos testados por agências ou como naves extraterrestres, passam a ser objetos voadores identificados. Mas não há prova alguma de que fossem uma coisa ou outra. Infelizmente as pesquisas foram canceladas antes de chegar a qualquer conclusão, apesar das afirmações do chefe da missão [N.E.: coronel Uyrangê Hollanda, que suicidou dois meses após tornar públicas as suas experiências com os OVNIs naquela localidade] que tudo aquilo era coisa de outro mundo. Vamos agora analisar a questão do laser verde. Não tenho a menor idéia de quando ele ficou popular, mas não se pode afirmar que ele não existia em uma determinada época, baseado na argumentação de que não era de conhecimento público.

VF – Mas o senhor acredita que realmente, civilizações cósmicas mais antigas, com tecnologias que desconhecemos, já tenham viajado até Terra e feito contato com seres humanos, como demonstram alguns dos muitos relatos apresentados em publicações especializadas nesse assunto?

RN – Tenho lá minhas dúvidas se isto realmente aconteceu. Fotos, desenhos e relatos podem ser interpretados de muitas maneiras ou ajustados para as conveniências, seja em uma direção, seja na outra. Mas não devemos descartar nenhuma possibilidade, até que uma prova contundente seja apresentada. E isto não existe no momento, só especulação.

VF – Como o senhor vê a aposentadoria dos Ônibus Espaciais da NASA e, doravante, quais seriam as principais implicações a esse país, ao perder por tempo ainda indeterminado, o seu principal veículo para viagens espaciais tripuladas?

RN – Tudo tem seu ciclo de vida, e não vai ser diferente com o Ônibus Espacial. Após 30 anos em uso, chegou a hora da aposentadoria. Como todo bom herói as lembranças ficarão, alguns dirão que é insubstituível, mas no final, alguma solução vai ser encontrada para substituí-lo. Nos EUA, a iniciativa privada está a postos para ocupar a oportunidade. A própria NASA deve desenvolver alguma coisa para colocar grandes cargas em órbita. Até foguetes russos poderão ser utilizados para cobrir eventuais faltas de lançadores. Quem deve sofrer mesmo vai ser a Estação Espacial Internacional (ISS) que deve sentir uma redução nas atividades. Nesta década veremos uma redução nos vôos tripulados e o aumento no envio de robôs ao espaço. Que pena.

VF – Se o nosso país ainda não conseguiu sequer dominar a tecnologia para lançamento de satélites, é lógico pensar que os planos para o setor astronáutico estejam distantes de nossa realidade, quiçá, para o próximo século... Contudo, houve na década passada, a incursão ímpar do astronauta militar brasileiro Marcos Pontes à Estação Espacial Internacional, num projeto que, segundo informações da época, teve um custo superior aos US$ 50 milhões, para permanecer apenas alguns dias em órbita. Para o senhor, este dinheiro do contribuinte brasileiro foi bem gasto nessa viagem do Pontes e nos trará algum retorno?

RN – Com o colapso da União Soviética, o programa espacial russo estava em uma pindaíba que dava dó. Resolveram então ganhar algum dinheiro alugando um dos três assentos da cápsula Soyuz, conhecido como “assento do táxi”. O governo brasileiro alega que pagou US$ 10 milhões, mas dizem que os russos cobram US$ 20 milhões pelo pacote de viagem que inclui a passagem de ida e volta mais estadia de 10 dias na estação espacial. Não tenho conhecimento suficiente para mensurar os benefícios técnicos desta viagem, mas parece que foi boa propaganda para o governo.

VF – Como o senhor vê a fracassada participação brasileira no projeto da Estação Espacial Internacional, quando o país - após acordo firmado ainda no governo de FHC e mantido pelos governos de Lula - se viu incapaz tecnologicamente de construir determinadas peças encomendadas para uso na Estação Espacial e assim, teve que deixar o grupo de então de 16 nações que utilizam a mesma?

RN – Visitei o Centro Espacial Kennedy na época em que o Brasil ainda estava entre os países construtores da Estação Espacial. Nossa participação era modesta, e resumia-se à construção de meia dúzia de componentes. Confesso que senti certo orgulho de ver nossa bandeira alinhada entre as nações mais importantes, aquele sentimento de ser membro de um grupo seleto. Mas isto durou pouco. O dinheiro necessário para a construção dos componentes nunca foi utilizado para construir as peças, e a NASA em algum momento encontrou quem estivesse interessado em fabricar o que o Brasil não queria entregar. Note-se que o problema não foi de domínio da tecnologia, foi simplesmente de escolha de prioridades na utilização do dinheiro.

VF – Parece que o planeta Marte, pouco a pouco, mas cada vez mais, entra para a lista de interesses de nações como os EUA, a União Européia (que já mantêm sonda por lá), além dos países asiáticos. Para o senhor, por que, Marte tem despertado tanta sede de exploração nesses empreendedores espaciais?

RN – Ciência é como uma competição. Primeiro satélite, primeiro homem no espaço, primeiro homem na Lua, etc. Quem chega primeiro leva os méritos e, no momento, a busca pela vida fora da Terra é o Santo Graal da pesquisa espacial. Existem suspeitas que tem ou teve, vida em Marte, mesmo que seja a nível microscópico. E quem achar primeiro leva o troféu. Como somente americanos e europeus conseguem chegar até Marte, a corrida se resume a estes dois grupos. Mas, outras maneiras de procurar por vida extraterrestre estão disponíveis. Existem telescópicos em órbita e no solo dedicados exclusivamente à busca de planetas, de preferência habitáveis; têm os radiotelescópios do SETI e até quem procure os extraterrestres aqui na Terra mesmo. Mais cedo ou mais tarde alguém vai encontrar o que procura, seja para o bem ou para o mal.

René Nardi em visita ao estante da China,
na FIDAER, realizada no Chile

VF – Voltando ao Brasil, como o senhor vê a nomeação do ministro Aloísio Mercadante e o que esperar do Ministério da Ciência e Tecnologia nessa gestão da presidente Dilma Rousseff?

RN – Muito cedo ainda para dizer a que vieram e como vão transformar as promessas de campanha em realidade. Tem uma brincadeira em que se pergunta o que faz um avião voar. Após muita discussão chega-se a conclusão que dinheiro é o que faz avião voar. O mesmo se aplica à C&T, e ao Programa Espacial, em particular. Portanto, devemos monitorar quanto dinheiro o ministro vai conseguir alocar para os programas de ciência e tecnologia. Se for uma quantidade apreciável vamos ver nossos programas decolarem, caso contrário, com o pouco dinheiro tradicionalmente destinado ao desenvolvimento tecnológico, vamos ficar na mesma.

VF – Como o senhor analisa os trabalhos desempenhados pela Agência Espacial Brasileira (AEB) durante o governo do ex-presidente Lula?

RN – Eles devem ter uma boa coleção de pequenos sucessos selecionados ao longo destes oito anos. É assim que se constrói um programa espacial, uma peça de cada vez. Veja caso do bem sucedido programa do foguete VSB-30, comandado pelo IAE. Mas ainda não vi nenhum veiculo lançador alcançando o espaço, não vi nenhum satélite brasileiro sendo lançado de nosso território. Precisamos ter coragem para desenvolver os nossos próprios produtos, ocupar nosso espaço, mostrar que somos capazes de organizar e executar programas de longo prazo. Precisamos nos esforçar mais, lutar mais. Em resumo, não podemos nos contentar em ser espectadores do sucesso dos programas espaciais dos outros.

VF – Para o senhor, quais são os maiores desafios da AEB na atualidade?

RN – A Agência tem novo administrador, vindo da área de tecnologia e que saberá o que estará fazendo. Precisa assumir logo e devemos dar a ele um pouco de tempo para por em prática o que sabe. Mas no final das contas, o principal desafio da agência é a de colocar em órbita o satélite nacional lançado com o foguete também brasileiro. Fácil falar, difícil de executar. Por ser difícil é que temos gente competente nas agências, institutos e na indústria.

VF – Após o triste episódio da explosão no Centro de Lançamento de Alcântara, para quando podemos esperar que o Brasil alcance a sua autonomia, no promissor mercado de lançamento de satélites?

RN – Esta é uma daquelas perguntas para a qual não tenho resposta. A explosão já foi a tanto tempo (2003), que já tivemos prazo suficiente para consertar o que estava errado e tentar novamente.

VF – O domínio do lançamento de satélites ainda é prioridade do Programa Espacial Brasileiro?

RN – Parece que sim. Existe um plano de desenvolver toda uma família de lançadores de foguetes, chamado Programa Cruzeiro do Sul. Vai desde um lançador para 250 kg até um monstro para 4 toneladas. Mas isto tudo está por enquanto no papel, desde 2004.

VF – Como o senhor vê aquisição pelo Governo Federal, de 36 aeronaves caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), considerando a partir da tecnologia empregada e da funcionalidade prática dessas máquinas?

RN – Vamos precisar destes 36 e provavelmente muitos mais. Vejo a FAB como uma potência militar precisando ter à disposição, pelo menos, uma centena de aviões de combate modernos. E lembre-se que não são apenas os aviões, precisamos das armas, das bases aéreas, da logística e assim vai. Se comprarmos tudo no Brasil, vamos avançar consideravelmente nossa tecnologia. Se comprarmos tudo isto no exterior, os países ricos vão ficar agradecidos por mantermos os empregos por lá.

VF – No contrato da compra de aviões caças, o Brasil reivindica a “transferência de tecnologia” ao vencedor da licitação (Projeto F-X2), visando a médio prazo, produzir o seu caça nacional. Como se daria tal transferência tecnológica e quais as implicações desse quesito contratual?

RN – A indústria aeronáutica brasileira - leia-se Embraer e algumas poucas, menores, mas especializadas em seus nicho de mercado - tem toda a competência para projetar, desenvolver e construir aviões de combate. Não precisamos de transferência de tecnologia do tipo “compre um avião e copie o que está nele”. A Embraer tem competência para fazer escolher os melhores fornecedores de componentes e fazer a integração de sistemas. Veja o sucesso dos aviões comerciais da serie E-Jets. Fazer um avião para uma centena de passageiros, que voa 12 horas por dia, tem índice de dispachabilidade de 99% e mais de um milhão de horas de vôo sem acidentes não é mais fácil do que fazer um avião de combate. Muito pelo contrário. Preste atenção no exemplo dado pela FAB na compra do KC-390, e no sucesso que este programa vai representar para a indústria nacional. E fica a pergunta: por que não fazer algo similar e desenvolver o avião de combate no Brasil, por brasileiros???

VF – Ainda sobre a aquisição dos caças pela FAB, considerando a tecnologia dessas aeronaves, desempenho, custo e benefício, para o senhor, qual dos três finalistas seria a mais apropriada para o país? Por que?

RN – Continuo firme na posição de que a melhor solução para a FAB é o avião nacional. E para a Marinha é o navio nacional e para o Exercito, o veículo de combate nacional. Porque temos competência para executar a tarefa e porque na hora em que forem necessários no combate, não vamos precisar pedir autorização a ninguém para utilizá-los. Por que será que os estrangeiros estão loucos para vender avião para a gente? Porque significa emprego e prosperidade para eles. No final das contas o que nós estamos fazendo é recolher dinheiro da população brasileira e querendo transferir para a população dos países ricos. Eles ficam agradecidos. Mas vamos supor que a decisão seja mesmo para comprar no exterior. O que temos de melhor em oferta são três aviões, cujo primeiro vôo ocorreu em 1978 (F-18), em 1986 (Rafale) e 1988 (Grippen). Você compraria um Fusca 78 ou um Corcel 86, mesmo que zerinho? O F-18 está pronto, desenvolvido, testado em combate e não tem mais o que fazer. A Boeing, honestamente, listou as tecnologias que pode e as que não pode transferir e se propõe comprar algumas centenas de milhares de horas de engenharia no Brasil. Os franceses estão tentando vender ao Brasil um avião que ninguém quer, nem eles mesmos. Com a produção total limitada a 70 aviões, ele ficou caro, limitado e com problemas sérios no preço do suporte pós-vendas. Tenho certa preferência pelo Grippen, considerando que a Saab já contratou a empresa Akaer, de São Jose dos Campos, para fazer o projeto estrutural de parte da fuselagem. É a única empresa que utiliza um fornecedor de engenharia no Brasil, independentemente de ter conseguido ou não o contrato com a FAB. Já foram vendidos mais de 200 Grippen, cujas peças de reposição são mais em conta. O avião é monomotor (custo operacional menor), preço de compra relativamente barato (metade do custo do Rafalle), e tem potencial de aperfeiçoamento a ser explorado por empresas brasileiras.

VF – Como um expresso defensor da indústria nacional, o senhor considera o brasileiro um inovador?

RN – Alguns anos atrás eu estava em Santiago e de manhã resolvi ler o jornal local. Na última página havia uma entrevista com o embaixador chileno na Coréia do Sul. O repórter do jornal perguntou entre outras coisas, porque a Coréia era mais avançada tecnologicamente que o Chile, se ambos os países tinham índice de escolaridade similar. Resumidamente, o embaixador respondeu que a diferença estava na geração de oportunidades para as pessoas utilizarem o conhecimento adquirido nas escolas e universidades. A mesma situação se aplica ao Brasil. Formamos um grupo grande de profissionais, treinamos toda esta gente, mas na hora de aplicar o conhecimento não temos a estrutura para apoiá-los. Neste cenário, exceção feita a algumas pouquíssimas empresas privadas (Embraer, Vale...) e instituições de pesquisa (Embrapa...), o brasileiro não consegue inovar. Veja quantos produtos brasileiros tem expressão global? O café é produzido aqui, mas as máquinas de processar e vender o café vêm da Itália. O cacau pode ser baiano, mas chocolate famoso é da Suíça. Minério de ferro sai de Minas, mas as aciarias estão no Japão e na China. Resumo da ópera, nossos empresários dominam a produção de matéria prima, mas não têm muita expressão no restante da cadeia de produção. Empresas estrangeiras controlam o restante da cadeia de produção. Precisamos olhar para os nossos produtos básicos e ver como eles são processados no exterior e se transformam em coisas inovadoras. E então, avançar sobre estes caminhos. Sintetizando, empresas brasileiras precisam dominar cadeia de produção, desde a produção da matéria prima ao serviço final que os produtos prestam.

VF – Recentemente, o senhor esteve participando em Belo Horizonte do "II Simpósio Jato Propulsão", realizado no Campus Pampulha da UFMG, sobre combustíveis líquidos para foguetes, numa promoção da Inotech. Fale-nos um pouco do conteúdo desse simpósio, bem como do público que esteve presente.

RN – O II Simpósio Jato Propulsão foi organizado e pago pela Inotech, em parceria com a UFMG. Sob todos os aspectos foi um sucesso. Fomos agraciados com a presença do IAE, tivemos a visita de empresas privadas interessadas em participar das atividades e, principalmente, contamos com a presença dos alunos da UFMG e da PUC-Minas. Foi um dia inteiro dedicado ao motor foguete a propelente líquido. Falamos sobre as iniciativas do curso de engenharia espacial da UFMG, apresentei um resumo dos três anos de atividades da Inotech e a responsabilidade em orientar seus alunos. Ficamos encantados com a apresentação dos trabalhos no IAE e a descrição do banco de provas feita pelo engenheiro Wilton. Um dos grupos da UFMG mostrou os resultados da campanha de ensaios de calibração da injetora de propelentes, enquanto outro grupo da equipe Rumo ao Espaço falava sobre o projeto do motor RE-500 (500 kg de empuxo). Foi tão bom que já marcamos para setembro de 2011, o III Simpósio Jato Propulsão. Esperamos que venha a ser um sucesso maior ainda.

VF – Como o senhor tem visto a receptividade do jovem brasileiro, com relação aos assuntos relacionados à ciência, em especial, com o setor aeroespacial? É de se esperar que nós tenhamos num futuro breve, bons profissionais nessa área?

RN – O brasileiro de um modo geral é encantado pelo setor aeroespacial. Creio que Santos Dumont influencia nossa juventude até hoje. E assim, temos escolas por todo o país formando gente boa para o setor, seja a nível técnico operacional, seja a nível superior, mestres e doutores. No setor aeronáutico, a Embraer tem um programa maravilhoso de formação de pessoal, em todos os níveis. Vai desde o Colégio “Eng. Juarez Wanderley”, com a formação de alunos no ensino médio até o PEE (Programa de Especialização em Engenharia), para o pessoal de nível superior. A SAE em parceria com várias empresas fornecedoras da Embraer promove anualmente um concurso entre estudantes de engenharia, chamado Aerodesign, que ressalta a capacidade dos alunos em resolver problemas práticos de engenharia aeronáutica. Vale à pena assistir e participar. Sob o meu ponto de vista é a maior competição do gênero, no mundo inteiro. De uma população de quase 200 milhões de pessoas, não deve ser muito difícil pinçar um milhar ou dois de engenheiros brilhantes que estejam interessados em participar do programa espacial. Basta ter o dinheiro para pagar todo este esforço e administradores competentes para focar em resultados. E a propósito, o dinheiro tem que vir do governo.

VF – Para finalizar, pedimos uma consultoria grátis a quem o leu até aqui: qual conselho o senhor daria às instituições universitárias e técnicas do Brasil que mantêm cursos na área aeroespacial e ainda, às instituições que planejam explorar esta área lançando cursos e especializações num futuro relativamente breve?

RN – Na parte acadêmica (aulas, material didático, professores), as escolas de engenharia têm um bom domínio do que deve ser ensinado. Mas não podemos achar que alguém que estudou a teoria ou decorou o conteúdo de um livro, seja capaz de aplicar o conhecimento. Precisamos confrontar a teoria contra as realidades do mundo em que vivemos. Como dizia a poetiza, “na prática, a teoria é outra”. Se uma escola em particular quer se diferenciar do restante, o segredo está em dar aos alunos condições de executar, fazer, construir algo, seja lá o que for. Tem que errar e saber corrigir o erro. Engenharia é ciência aplicada. Não adianta só assistir às aulas ou publicar artigos, têm que validar a teoria com a construção de maquinas, dispositivos, ferramentas, protótipos. Quantas escolas de engenharia aeronáutica já incentivaram seus alunos a construir sequer um aeromodelo? Mas temos bons exemplos a citar. Veja o caso da EE-UFMG – projetaram e construíram um avião que recentemente bateu o recorde mundial de velocidade em sua categoria. Isto é engenharia da mais alta qualidade.

VF – Agradecemos pela entrevista e pedimos para nos deixar suas considerações finais.

RN – Eu é que agradeço a oportunidade. Em algumas situações sou um pouco radical, principalmente no que se refere à defesa dos interesses do Brasil. Espero que tenha sido útil, de alguma maneira.

* Pepe Chaves é editor do diário digital Via Fanzine e do portal ASTROvia.


Fonte: Site do Diário Digital “Via Fanzine”

Comentários

  1. A Engenharia Aeronáutica está em constante aperfeiçoamento no Brasil e o histórico desse setor tecnológico continua sendo um referencial de sucesso.

    Eng. Luciano Clemente Cavalcante da Silva.

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