A Propulsão Líquida no Brasil - Situação e Perspectivas


Olá leitor!

Segue abaixo parte de um artigo intitulado “Propulsão Líquida no IAE: Visão das Atividades e Perspectivas Futuras” publicado no Journal of Aeroespace e Technology and Management (vol. 1 - num. 1 – Jan. a Jun. de 2009) que trata dos projetos de motores a propulsão líquida ora em desenvolvimento no IAE, infra-estrutura instalada e a ser instalada e perspectivas futuras dessa tecnologia no país.

Duda Falcão

Propulsão Líquida no IAE: Visão das Atividades e Perspectivas Futuras

Marcos F Carvalho Torres
Daniel Soares de Almeida
Yelisetty S. Rama Krishna
Luiz Antônio Silva
Wilson Kiyoshi Shimote

O IAE tem como missão desenvolver atividades de pesquisas e desenvolvimento no campo aeroespacial com ênfase na áreas de materiais, foguetes de sondagem, sistemas de defesa, sistemas aeronáuticos, ciências atmosféricas e ensaios de componentes aeroespaciais (RICA21-93).

A Divisão de Propulsão Espacial (APE) do IAE tem por atribuições: organizar, planejar, coordenar, executar e controlar as atividades de P&D na área de propulsão espacial, a fim de assegurar competência para especificar, projetar, fabricar, integrar e testar motores-foguetes e componentes do sistema de controle do vetor empuxo destinados a equipar veículos lançadores de satélites e foguetes de sondagem, em atendimento aos programas de interesse do Comando da Aeronáutica.

Como resultado das atividades do APE, diversos projetos estão em andamento e, para que os projetos desenvolvidos possam ser avaliados e aprimorados, diversos bancos de ensaios então sendo projetados e construídos.
Projetos

Atualmente, os projetos em desenvolvimento no IAE são os seguintes:

Motor-Foguete L5

O MFPL L5 de 5kN de empuxo (Fig. 2) foi projetado com a finalidade de substituir o atual propulsor do quarto estágio do VLS-1, a propelente sólido, em um veículo “hipotético” denominado VLS-L4, cujos três primeiros estágios seriam idênticos ao do atual Veículo Lançador de Satélites - VLS-1.

Figura 2: MFPL L5

O nível de empuxo deste motor foi definido por otimização, levando-se em conta as características da missão do VLS-L4, ou seja, fazer a inserção direta de cargas-úteis de até 427 kg em órbitas polares circulares e com 200 km de altitude (Sikharulidze et al., 2001). A partir da especificação da missão, também foram definidos outros parâmetros propulsivos, tais como tempo de operação e impulsão total. A Tabela 1 apresenta as principais características desse motor.

Tabela 1: Características principais do MFPL L5

Características

Empuxo no vácuo 5kN
Propelentes querosene/LOX
Sistema de alimentação pressurizado
Pressão de câmara 10 bar
Fluxo de massa 1,62 kg/s
Razão de mistura O/F 1,86
Impulso específico 314 s
Velocidade característica 1760 m/s
Razão de expansão de áreas 64

O projeto L5 esta permitindo desenvolver a tecnologia de propulsão líquida, levando-se em consideração:

- As limitações tecnológicas existentes no Brasil e a perspectiva de se produzir motores de maior porte;

- O emprego de propelentes não agressivos ao meio ambiente, ou que apresente baixo grau de toxicidade ou baixo risco a segurança durante o manuseio e ensaios;

- A utilização de matérias-primas e propelentes de fácil aquisição, disponíveis no país, principalmente pelo fato de que há de se executar uma grande quantidade de ensaios;

- O aproveitamento da capacidade instalada no IAE, já pronta, para ensaiar o motor ora em desenvolvimento, minimizando, assim, os custos decorrentes de obras e construção de instalações.

Motor-Foguete L15

O L15 (Fig. 3) é um motor foguete que utiliza propelentes líquidos com alimentação da câmara por meio de pressurização direta dos tanques. Tem como especificação funcional gerar empuxo de 15kN ao nível do mar para aplicação no foguete de sondagem VS-15. O desenvolvimento desse motor é uma parceria entre o IAE e a empresa Orbital Engenharia, com recursos orçamentários da FINEP, Orbital e AEB. O diferencial em relação ao motor L5 é a utilização do sistema de refrigeração regenerativa que tem como principal desafio tecnológico a usinagem dos canais de refrigeração e brasagem do invólucro externo da câmara de empuxo que garantirá a passagem do líquido de refrigeração.

Figura 3: MFPL L15

Este motor foi projetado para operar com álcool etílico e oxigênio líquido e, pelo fato da alimentação da câmara ser obtida por pressurização dos tanques de propelentes, a pressão de operação da câmara de combustão é relativamente baixa, comparado com motores com alimentação por meio de turbobomba. A Tabela 2 apresenta as principais características deste motor.

Tabela 2: Características principais do MFPL L15

Características

Empuxo no vácuo 15kN
Propelentes álcool/LOX
Pressão de câmara 16,5 bar
Sistema de alimentação pressurizado
Fluxo de massa 6,37 kg/s
Razão de mistura O/F 1,58
Impulso específico 240 s
Velocidade característica 1421 m/s
Razão de expansão de áreas 4,8

Motor-Foguete L75

Figura 4: MFPL L75

O L75 (Fig. 4) é um motor foguete com alimentação da câmara por meio de turbobomba que utilizará propelentes líquidos. Tem como especificação funcional gerar empuxo de 75kN no vácuo para uso em estagio superior de um veículo lançador de satélite. A Tabela 3 apresenta as principais características deste motor.

Tabela 3: Características principais do MFPL L75

Características

Empuxo no vácuo 75kN
Propelentes querosene/LOX
Sistema de alimentação Turbobomba
Pressão de câmara 70 bar
Fluxo de massa 23,3 kg/s
Razão de mistura O/F 2,16
Impulso específico no vácuo 328 s
Velocidade característica 1740 m/s
Razão de expansão de áreas 94

O principal objetivo a ser alcançado durante o desenvolvimento deste motor será a capacitação, tanto de engenheiros e empresas, para projetar, fabricar e testar os diversos componentes do L75. Os principais desafios estão no projeto e fabricação da câmara de empuxo, da turbobomba, do gerador de gás e do sistema de controle e também a integração destes quatros subsistemas complexos. Para atingir esse objetivo foi firmado um convênio entre o IAE e a EMGEPRON (Empresa Gerencial de Projetos Navais), estatal subordinada ao Comando da Marinha e com recursos provenientes da AEB para concepção, projeto, fabricação, montagem e testes do MFPL L75.

Durante a vigência deste convênio, as atribuições do IAE serão o planejamento, a coordenação, o controle das atividades técnicas e o estabelecimento dos objetivos de cada etapa. A EMGEPRON tem como atribuições, o planejamento, a coordenação, o controle das atividades administrativas e a execução de tarefas de seleção de fornecedores, licitação, contratação, aquisição e disponibilização de materiais e serviços.

Infra-Estrutura


O IAE dispõem, atualmente, de bancos de testes tanto para pesquisa quanto para teste de MFPL e seus componentes. São os seguintes os bancos em operação ou em implementação:

· Banco de 1 kN

O Banco de ensaio experimental de motor-foguete a propelente líquido, em fase final de instalação, tem a capacidade de ensaiar motores-foguetes de 1kN de empuxo e opera com oxigênio gasoso (GOX) e álcool etílico, é constituído de sistema para medição de empuxo, controle e aquisição de dados e de sistema de refrigeração do motor com água. A ignição do motor é realizada com o ignitor gás-dinâmico, desenvolvido no IAE e já disponível para operação.

Este banco de ensaio tem como principal finalidade a formação acadêmica dos alunos do MPEA, treinamento da equipe do laboratório de propulsão líquida e desenvolvimento de pesquisa nas áreas de transferência de calor e mecânica dos fluidos, de grande importância para a propulsão líquida.

· Banco de 20 kN

O Banco de 20 kN (Fig. 5) foi projetado para ensaios de queima de MFPL, de até 20 kN de empuxo que utilizam sistema de alimentação por meio de pressurização dos tanques e LOX/querosene ou LOX/álcool como propelentes e com pressões da câmara de combustão inferiores a 40 bar. Na pressurização dos tanques, é empregado nitrogênio gasoso.

Este banco, que atualmente é utilizado para ensaios dos motores L5 e L15, é pioneiro no IAE e servirá de base para os futuros bancos de testes de maior porte.


Figura 5: Banco de ensaios a quente de MFPL

· Banco Hidráulico

O Banco Hidráulico (Fig. 6), que utiliza água destilada como fluido de trabalho, é uma instalação que tem como objetivo principal a caracterização de componentes de motores-foguetes a propelente líquido.

Figura 6: Banco de ensaios a frio para caracterização de componentes

O banco é constituído basicamente da área de ensaio dos corpos de prova, do sistema de acionamento composto por bombas e motores elétricos, tanque de armazenamento de água destilada, sistema de filtragem, sistema de arrefecimento de água e pelo sistema de controle e aquisição de dados. A área de ensaio e o local onde serão instalados e realizados os ensaios dos componentes do motor. É composto por um tanque de 2000 litros em aço inoxidável dotado de três tomadas de ensaio onde são feitas as conexões de alimentação e descarga dos corpos de provas através de juntas flangeadas.

Características:

- Vazão: 30 kg/s;
- Pressão normal de trabalho: 35 bar;
- Pressão máxima: 70 bar que corresponde à pressão máxima fornecida pela bomba centrífuga, conhecida como pressão de “shut off” (quando a vazão é nula);
- Pressurização por bomba centrifuga multi-estágios acionada por motor elétrico controlado por variador de freqüência;
- Potência: 180 HP (132 KW) na condição de pressão e vazão máximas;
- Vazão: será controlada pela rotação da bomba juntamente com a válvula de controle instalada na linha;
- Capacidade do tanque de armazenamento de água destilada: 5m3.

· Banco de ensaio para estudo de instabilidade de combustão

Este banco de teste (Fig. 7) esta sendo desenvolvido para simular experimentalmente uma câmara de combustão de motor foguete a propelente líquido, com objetivo de investigar a interação combustão-turbulência e seus efeitos na instabilidade de combustão, bem como estudar a validade dos modelos de cinética química adotados para os propelentes considerados.

Figura 7: Banco para estudo de instabilidade de combustão

O banco permitirá também a investigação experimental nas áreas de propulsão, transferência de calor, instabilidade de combustão, interação combustão-turbulência, interação entre injetores com combustão, ignição e controle ativo e passivo de instabilidade de combustão.

Perspectivas Futuras

Qualquer abordagem para o desenvolvimento do MFPL deve levar em consideração que a complexidade dos seus sistemas aumenta na medida em que se aumenta seu desempenho. Sistemas simples, como os pressurizados, não são utilizados em estágios inferiores pelo fato de que todo o sistema esta submetido a altas pressões, tendo como conseqüência um aumento significativo da massa estrutural do foguete o que reduz sua eficiência. No entanto, são utilizados em sistemas de controle de atitude do foguete, em que o requisito desempenho é colocado em segundo plano priorizando-se nesse caso a confiabilidade e a simplicidade. Em MFPL que utiliza turbobomba a complexidade aumenta e com ela a eficiência do sistema.

Neste caso a parte pressurizada se restringe ao trecho entre a saída das bombas até a câmara de empuxo o que reduz a massa estrutural dos tanques de propelentes, que estão a baixas pressões, e permite a utilização de pressões de câmara mais elevadas.

Como o impulso específico aumenta com a pressão na câmara o desempenho do foguete também se eleva. Estes dois tipos de MFPL já estão sendo desenvolvidos no IAE, quais sejam, o L5 e o L15 que têm pressurização dos tanques, e o L75 com turbobomba de ciclo aberto, e servirão de base para os futuros desafios. Estudos de MFPL de ciclo aberto utilizando etanol e LOX então em elaboração com fins comparativos e cujos resultados deverão ser discutidos com vistas a uma possível aplicação deste propelente em futuros projetos.


Fonte: Journal of Aeroespace e Technology and Management - V. 1 - N. 1 - Jan. a Jun. de 2009 - págs. 102 a 105

Comentário: Esse artigo descreve com clareza para o leitor leigo ou não o que esta se fazendo no Brasil na área de propulsão de motores líquidos e suas perspectivas futuras. No entanto, o mesmo não estabelece prazos para a conclusão dos projetos em andamento o que nos frustra um pouco. Sei que o motor L15 será em breve testado em vôo (muito provavelmente em 2010) com o foguete VS-15, no entanto, não existe qualquer previsão de teste em vôo do motor L5 e muito mesmos do motor L75.

Comentários

  1. O desenvolvimento, evolução e sucesso do nosso programa espacial depende disto. Correr atrás de um erro cometido lá no passado, não que a propulsão solida seja ruim, ajudou muito o Brasil na área de sondagem, mas em termos orbitais, a propulsão líquida é que guiará o futuro do desenvimento do nosso VLS se quisermos colocarmos alguma coisa em orbita. A propulsão líquida é a base da astronautica e foi proposta pelo pioneiro russo Konstantin Tsiolkovsky em 1903. Mais de cem anos depois, o Brasil não sai do chão...

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  2. É verdade Ricardo,

    No entanto, eu particularmente acho que uma opção hibrida seria mais barata, e dependendo da concepção e objetivo, mais eficiente. Inclusive, o IAE demonstrando ter esta mesma visão, está desenvolvendo um projeto de motor-foguete a propelente sólido (chamado P36) com empuxo de 32 a 40 toneladas, muito superior ao do motor S43 (7,5 toneladas de empuxo) utilizado no primeiro e segundo estágios do VLS-1. Infelizmente existe na net muito pouca informação sobre esse projeto, no entanto, tudo indica que o mesmo será desenvolvido em parceria com os russos.

    Abs

    Duda Falcão

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